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Ex-assessor de Jânio Quadros revela detalhes de sua trajetória política

05 setembro 2011 - 03h00

Na semana em que o Brasil comemora sua Independência, o MSREPÓRTER entrevistou o campo-grandense Vitor Cabrera Eugênio, ex-assessor pessoal do único sul-mato-grossense eleito presidente do Brasil, Jânio Quadros.

Um admirador que virou amigo. Eugênio acompanhou diretamente a trajetória da pós-renúncia de Jânio em 1961 e conta detalhes das superações que Jânio enfrentou nesse período, o confinamento em Corumbá em 68 e a verdade sobre várias versões do nascimento de Quadros.


Jânio Quadros formado em Direito pela Universidade de São Paulo, escreveu várias obras e é referência da lingua portuguesa, por conhecer o latim e o grego. Como o próprio Eugênio o classifica: “Jânio tinha seu jeito intempestivo, temperamental, como todo líder, enigmático. Ele foi um fenômeno e um dos políticos mais carismático que o Brasil conheceu”.

O amigo do ex-presidente, hoje com 75 anos, se recorda com precisão das datas e acontecimentos mais importantes da fase política que viveram juntos. Eugênio foi vereador de Campo Grande em 1982. Atualmente reside na Capital e trabalha como assessor, mas não político e sim empresarial. 

MSREPÓRTER: Como conheceu Jânio Quadros?

Foi durante a campanha para presidência em 1960, na verdade eu me auto apresentei a ele. Eu já conhecia a trajetória dele, sabia que era natural de Campo Grande e o admirava muito. Mas, as únicas oportunidades que tive contato com ele foi durante suas passagens por São Paulo na campanha.

MSREPÓRTER: E como surgiu a amizade entre vocês?

Nossa amizade começou após a renúncia do seu governo em 1961, dois dias após, Jânio viajou para a Europa e ao retornar no final do ano ao Brasil, me ligou chamando para ser seu secretário. 

MSREPÓRTER: Jânio confidenciava segredos e histórias sobre os sete meses de governo e por que decidiu renunciar?

Não contava segredos, mas algumas passagens. Nunca admitiu um porque (sobre a renúncia), mas havia uma série de problemas. Tudo começou por aquele Congresso Nacional que foi eleito 1958 e Jânio eleito em 1960, ou seja, ele chegou encontrou o congresso de outra eleição. E na medida em que começou tomar atitudes para a reforma da constituição teve a rejeição de mais de dois terços do congresso.


Porque se a eleição fosse coincidente como é hoje, Jânio Quadros com a popularidade no Brasil inteiro que tinha, a história seria outra. Ele ganhou em todos os Estados do Brasil, perdeu com uma pequena margem no Maranhão, derrotou o “Getulismo” do PTB no Rio Grande do Sul e o PSD com Juscelino em Minas Gerais. Prova maior da rejeição do congresso a ele foi que em sete meses de governo não teve nenhum projeto aprovado, apenas decretos.

MSREPÓRTER: Já que mencionou Getúlio Vargas, como foi o contato e a relação dele com Jânio?


Ele gostava muito do Getúlio e enquanto Vargas foi presidente, ajudou muito Jânio administrativamente na prefeitura de São Paulo, embora de partidos diferentes.

MSREPÓRTER: Existe uma divergência de informação sobre o local de nascimento de Jânio Quadros, historiadores afirmam que ele nasceu em Campo Grande, já o ex-governador Pedro Pedrossian nega e coloca Miranda como cidade natal. Qual das versões o senhor confirma?

Jânio nasceu em Campo Grande. Sua mãe Leonor e seu pai Gabriel residiam em Miranda, mas as vésperas do nascimento de Jânio vieram para Campo Grande em busca de uma estrutura melhor. Coincidência ou não quem fez seu parto foi o médico e figura conhecida do cenário político das décadas de 40 e 50 de Mato Grosso, Vespasiano Barbosa Martins. Após o nascimento a família Quadros seguiu morando em Campo Grande até 1920, quando se mudaram para Curitiba.

MSREPÓRTER: O senhor acompanhou o período pós-renúncia. Como ficou a imagem dele com a população e a imprensa nacional?

Ainda em 1961 ele viajou para Europa, voltou no final do ano e em 1962, aí sim comecei trabalhar como assessor direto, dele e do partido. Ele se candidatou ao governo de São Paulo. Mas perdeu a eleição para Ademar de Barros, o mesmo que já tinha derrotado por duas vezes. Essa foi uma das raras vezes em que perdeu. 

A renúncia foi um desastre, os opositores e a imprensa descendo o “cacete” nele todo dia. Foi um baque para ele ter vencido uma eleição para presidência como venceu e depois perder assim.

Depois disso ele se dedicou muito a literatura, sempre escreveu muito, quando não estava em campanha, estava escrevendo.

MSREPÓRTER: Quando Jânio foi vítima da ação militar da ditadura, vocë estava com ele, como foram esses dias?

Em 1964 ele e outros políticos tiveram os direitos cassados e Jânio não podia se candidatar. Mesmo assim, lançou e trabalhou na campanha do Brigadeiro Faria Lima. Mas não podia participar dos comícios. Então nós montamos uma campanha paralela.


Começamos a organizar encontros familiares nos bairros, que acabaram se transformando em mini comício, tomando conta das ruas onde acontecia. Em um final de semana, ele chegava a organizar 15 reuniões. E o Brigadeiro que disputava sua primeira eleição, sozinho conseguiu votação maior que os outros seis candidatos juntos. Foi o maior prefeito da história com a ajuda de Jânio, que sempre o lhe deu conselhos para governar.

MSREPÓRTER: Por que Jânio foi obrigado ao confinamento em Corumbá?


Em julho de 1968, Jânio deu uma entrevista de página inteira para a Folha de São Paulo, criticando duramente o Governo Militar. Logo em seguida, foi chamado pela Polícia Federal e pelo Ministério da Justiça. Se confirmasse sua entrevista seria punido pela revolução. E confirmou tudo que falou. Então, foi condenado ao confinamento em Corumbá. E nos 120 dias, eu fui a única pessoa que o acompanhou em todos os dias. Corumbá ficou movimentada. Toda imprensa nacional foi para lá acompanhar o dia a dia de Jânio.

MSREPÓRTER: Como foi o confinamento? 


Ficamos no hotel Santa Mônica, com quartos simples, éramos escoltados pela Polícia Federal e soldados a paisana.

Mas aquilo era a mesma coisa que uma prisão para Jânio, ainda mais que durante o confinamento, sua filha Dirce Maria, ficou doente em São Paulo e sua esposa Eloá teve de deixar Corumbá para cuidar da filha.

MSREPÓRTER: Após o confinamento, como era a rotina de Jânio?

Como estava cassado, viajou muito, ele e a esposa tinham descontos nas passagens de navio por serem conhecidos no mundo todo, pagavam algo em torno de 10% do valor dela.

Ele tinha muito tempo disponível, então viajava muito de navio. Também pintou muito, outro dom dele, inclusive eu tinha umas telas dele, mas arrumei umas para o Pedrossian (Pedro), mas não nenhuma lá em casa por descuido mesmo. Então como ele escrevia e pintava, o navio era o melhor lugar pra ele.

MSREPÓRTER: Quais obras Jânio escreveu?

Como ele tinha tempo e gostava muito disso, escreveu várias e várias obras como: História do povo brasileiro (1967), em parceria com Afonso Arinos; (alguns anos depois) escreveu Novo Dicionário Prático da Língua Portuguesa (1976), uma obra completa; escreveu um livro de contos (Quinze contos, 1983).

MSREPÓRTER: E quando os políticos recuperaram seus direitos 1979, o que ele fez?

Ele me chamou para assumir novamente sua assessoria em 1979, eu prometi ficar apenas um ano com ele, até ele montar sua equipe, seu escritório. Mas acabei ficando um ano e meio até o Levy (Dias) ser nomeado prefeito de Campo Grande pelo Pedro (Pedrossian) e insistir para eu voltar para ser chefe do seu gabinete, na época Jânio Quadros estava na Europa, aí eu voltei.

Em 1982, ele se candidatou ao governo de São Paulo e eu para vereador em Campo Grande. Ele perdeu e eu ganhei, cumpri todo meu mandato até 1988, por que naquela época eram seis anos de mandato. E durante todo esse tempo sempre tendo contato com Jânio, eu ia todo mês para São Paulo para me reunir com ele. Nessas idas, levei vários políticos daqui para conhecê-lo, o Pedrossian e o Levy, por exemplo.

MSREPÓRTER: Na campanha para prefeito em 1985 que Jânio venceu, você participou?

Em maio de 1985, ele me ligou e me pediu para ir a São Paulo com urgência, pois precisava falar comigo. No dia seguinte eu estava lá. Chegando na casa de Jânio encontrei um jornalista famoso da época, Tito Fleuri, que também afirmou não saber sobre o que era o assunto da conversa quando o perguntei o motivo de estarmos ali. Ao chegar à sala, Jânio com seu tradicional jeito de falar já foi se adiantantando e antes mesmo que pudéssemos dar um oi, ele já falou: “Meus amigos, eu os chamei aqui em minha casa por que acabo de tomar uma decisão e vocês são os dois primeiros a tomar conhecimento, serei candidato a prefeitura de São Paulo!”, e antes de qualquer reação nossa ele ainda afirmou: “E ganho!”. 

E continuou: “Você Tito assume minha assessoria e você Vítor será meu secretário” disse ele. Só que complicou pra mim, pois eu tinha meu mandato de vereador, mas combinei com ele, eu assumo o cargo, mas venho toda primeira semana de todo mês até a eleição para te ajudar.

Após vencer o poderoso Fernando Henrique Cardoso, que era apoiado por Mário Covas. Ele me chamou para sua equipe, mas eu não aceitei devido ao meu mandato de vereador e me arrependi muito por isso.

MSREPÓRTER: E por que se arrependeu?

(Silêncio por alguns segundos)


Por que eu era a pessoa mais ligada a ele, as outras pessoas que ele confiava, alguns já haviam falecido ou não estavam próximos.

MSREPÓRTER: O mandato de todos os prefeitos do País em 85, foi de apenas três anos, o que Jânio fez após sair da prefeitura?

Ele viajou por dois meses pela Europa, ao retornar em maio, chamou quatro pessoas para uma reunião; os jornalistas José Aparecido de Oliveira e Augusto Marzagão, o deputado estadual Fausi Carlos e eu.

Ninguém sabia sobre o que se tratava a reunião. E chegou com o mesmo jeito que eu já conhecia de sempre e praticamente relembrando o que me falou sobre a prefeitura de São Paulo: “Meus amigos, tomei a decisão de me candidatar à presidência da Republica e digo mais, eu ganho!”.

Mas nem chegou a se candidatar, a sua saúde já estava muito frágil. Quem venceu aquela eleição foi o Collor.

MSREPÓRTER: Quais foram os seus últimos contatos com Jânio Quadros antes da morte?

Falava com ele sempre ao telefone e às vezes que ia para São Paulo. Em 1991, dona Eloá, sua esposa, que sofria de um câncer, faleceu e Jânio já mal conseguia falar, andar, ler e escrever. Ele estava bem doente, teve dois derrames seguidos e no dia 16 de fevereiro de 1992 faleceu o único homem que poderia explicar e contar porque renunciou ao mandato de Presidente da República.

Helton Verão

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