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Professor e historiador fala sobre a "Divisão do Estado", surgimento e impactos

09 outubro 2012 - 18h00

Nesta quinta-feira, dia 11 de outubro e 2012, o estado de Mato Grosso do Sul completa 35 anos de criação. Há 35 anos todo território, hoje, considerado sul-mato-grossense, fazia parte do estado de Mato Grosso. Até os dias atuais, muitas pessoas ainda confundem ou talvez não lembram que houve esta divisão. O site MS Repórter entrevistou o professor e historiador, Hildebrando Campestrini para falar um pouco sobre este processo de divisão, como é chamado. Ele comenta sobre a questão política, histórico e cultural desta transição. Acompanhe.

MS Repórter - Primeiramente, como, quando e por que aconteceu a divisão do estado de Mato Grosso e surgido Mato Grosso do Sul.

Hildebrando Campestrini - É importante salientar, de início, que a palavra divisão é politicamente incorreta. O sul sempre defendeu a criação do Estado de Mato Grosso do Sul, ou seja, tornar de direito o que já se considerava de fato.

A criação de Mato Grosso do Sul é resultado de um movimento que vinha defendendo a autonomia do sul de Mato Grosso, desde 1896. Um processo que durou oito décadas, culminando com a assinatura da Lei Complementar n. 31, de 11 de outubro de 1977, pela qual foi criado o Estado de Mato Grosso do Sul com o desmembramento do Estado de Mato Grosso. Note-se que o novo Estado passa a existir concretamente, como unidade da federação, só a partir de 1.º de janeiro de 1979, data em que foi instalado.

O principal argumento dos autonomistas era o descaso com que o governo do Estado tratava o sul: pouquíssimos investimentos, educação, saúde e estradas em estado de abandono; violência sem controle, principalmente na fronteira. Mais: o dinheiro dos impostos pagos pelos sulistas ficava praticamente todo em Cuiabá. Quando o sul passou a arrecadar mais que o norte, sem o retorno esperado, o movimento autonomista aumentou.

Com a Revolução Constitucionalista (1932), Campo Grande passou a ser o centro político do sul, rivalizando com Cuiabá. Estava criado o cenário para o surgimento do novo estado. O presidente Geisel aproveitou esse ânimo dos sulistas para criar MS, com o propósito de torná-lo um estado modelo, até para outros que seriam criados.

MS Repórter - Como era o governo na época de somente Mato Grosso, com essa distância de um para o outro?

Hildebrando Campestrini - As enormes distâncias, estradas em péssimas condições, falta de comunicações dificultavam, sem dúvida, qualquer governo. E a própria burocracia cuiabana complicava muito. Processos de fácil solução demoravam até anos. Uma nomeação, se rápida, podia demorar meses. Tudo isto atrasava a vida dos sulistas, que eram mais apressados, mais dinâmicos

MS Repórter – MS foi oficialmente considerado um estado único de início?

Hildebrando Campestrini - Até a instalação de Mato Grosso do Sul, permaneceu uno o Estado de Mato Grosso. Observe-se que, da criação à instalação, Mato Grosso do Sul foi um estado virtual, que, na realidade, tinha que seguir todo o ordenamento jurídico de Mato Grosso.

MS Repórter - Como foi à questão da definição dos seus representantes?

Hildebrando Campestrini - A Lei Complementar n. 31/77 previa a eleição dos representantes do Estado. Foram eleitos os deputados federais, os deputados estaduais (que foram, no início, constituintes). Dos três senadores que representariam o Estado, um (Antônio Mendes Canale, que já era senador) optou por Mato Grosso do Sul; o segundo (Saldanha Derzi) foi eleito indiretamente (senador biônico, como se chamava); o terceiro (Pedro Pedrossian) foi eleito pelo voto popular.

O Tribunal de Justiça foi constituído, na instalação do Estado, por quatro desembargadores: três, oriundos do Tribunal de Justiça de Mato Grosso; um, promovido entre os juízes de Campo Grande. O Tribunal de Justiça foi instalado no dia 8 de janeiro de 1977.

MS Repórter - E com relação à capital Campo Grande, como foi a decisão e por que esta escolha.

Hildebrando Campestrini - Não havia como não ser Campo Grande a capital do Estado. É interessante observar que Campo Grande é, ao mesmo tempo, centro político, centro econômico, centro geográfico e centro demográfico do Estado – atributos ideais para uma capital. Ao que parece, é a única capital de estado com estas características. Alguns líderes cuiabanos, desgostosos com o movimento vencedor em Campo Grande, chegaram a propor como capital a cidade de Maracaju.

MS Repórter - Economicamente, foi viável esta separação? Mato Grosso do Sul tinha condições de se manter sozinho?

Hildebrando Campestrini - Logo após a instalação de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso teve problemas financeiros, que soube administrar, levando-se em conta a competência, para isto, de seus governantes. Não só: ao longo do tempo, Mato Grosso acabou desenvolvendo-se muito mais que o sul.

Mato Grosso do Sul também teve problemas. Instalado o Estado, descobriu-se que aquela “excelente” arrecadação (em relação ao norte) era suficiente só para manter o Estado, vedando qualquer investimento. Nessa situação, os governadores apelaram para empréstimos, que produziram esta monumental e perversa dívida do Estado, que impede muitos investimentos e ninguém sabe quando poderá ser liquidada.

MS Repórter - E a população, como se pronunciou com relação a esta separação? Houve rejeição?

Hildebrando Campestrini - Poucos foram os que se colocaram contra a criação de Mato Grosso do Sul. E, mesmo assim, timidamente. A notícia da criação do Estado foi recebida, em Campo Grande, com muita euforia e manifestações favoráveis.

MS Repórter - A cultura da população sofreu algum prejuízo?

Hildebrando Campestrini - Ao contrário. A criação do Estado facilitou os cenários para o desenvolvimento da cultura: mais escolas, mais faculdades (por todo o Estado), mais incentivo a artistas. Observe-se que o sul foi obrigado a descobrir seu caminho cultural. E está fazendo isto com competência. Pode-se citar um exemplo: até a criação do Estado grande parte da historiografia sobre a região era produzida pelo norte. Hoje esta produção é, aqui no sul, muito forte. Assim a música e outras artes.

MS Repórter - E com relação ao fato de até hoje Mato Grosso do Sul ser chamado de Mato Grosso? É normal em função dos anos em que era apenas um ou é uma questão cultural, que as pessoas não prestam atenção?

Hildebrando Campestrini - A esporádica confusão entre MS e MT se dá, fundamentalmente, por falta de informação. Quem tem a informação não faz confusão. Você não vê um jornalista japonês fazendo esta confusão. Tenho constatado, em viagens pelo Brasil, que há pessoas que não sabem que, há mais de trinta anos, foi criado um novo Estado; como não sabem onde fica o Piauí ou qual a capital do Tocantins.

O que não deve causar espanto, porque o ensino de geografia, nas escolas brasileiras, é muito precário. Certa vez, ao apresentar-me a uma secretária no Senado Federal, dizendo-me servidor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, recebi a indagação: Como vai Cuiabá? Está claro que falta informação.

MS Repórter - Acha que essa questão do nome do Estado para o Estado do Pantanal é uma boa ideia? Traria algum benefício para o Estado?

Hildebrando Campestrini - Como se viu, a confusão nasce da falta de informação. A solução é informar. Mato Grosso do Sul nunca fez qualquer campanha para ser conhecido pelo Brasil afora. Houve, em tempos recentes, uma tentativa (esdrúxula) de uma escola de samba fazer o enredo sobre o Estado. Foi lamentável.

Imagine que se troque o nome do Estado. Aí vamos precisar de mais trinta anos para informar que X é o novo nome de Mato Grosso do Sul. O que precisamos é criar esta relação de pertencimento, de apropriação: sentirmo-nos donos e responsáveis pelo Estado. Não é o nome do Estado que atrapalha. O que atrapalha é a baixa autoestima de alguns de seus habitantes, que se sentem ofendidos com a ignorância alheia. Se alguém troca meu nome, não me ofendo, não me sinto menor. A confusão é problema dele.

Mudar o nome para Pantanal seria desastre total, porque o nome Pantanal, tanto no Brasil como no mundo, está muito mais ligado a Mato Grosso não só porque aquele Estado vem fazendo, há décadas, divulgação daquele “santuário ecológico” mas também porque o nome oficial é Pantanal Mato-Grossense. Aí, sim, seria frequente a confusão. Mais: é equívoco afirmar que Mato Grosso do Sul possui dois terços do Pantanal. Quando muito possui uns 56%. Vale informar que, na Constituição de 1988, tentou-se colocar: Pantanal Mato-Grossense e Pantanal Sul-Mato-Grossense, o que não vingou.

MS Repórter - Para finalizarmos, hoje como o sr. analisa esses anos da criação de Mato Grosso do Sul? Cresceu, consolidou-se e tem condições de se destacar, tranquilamente, em todos os setores?

Hildebrando Campestrini - Mato Grosso do Sul sofreu, desde a demissão do primeiro governador, da falta de um planejamento estratégico, de futuro, de longo prazo. Todo governador que entrava criava o “seu” plano de governo, curto (quatro anos) com prioridades às vezes discutíveis.

Só o último governo teve a preocupação de estabelecer este planejamento estratégico, com claras prioridades do Estado, tanto na infraestrutura como na economia, na educação, nos serviços, no desenvolvimento, na diversificação das fontes produtivas. Hoje Mato Grosso do Sul está pronto para crescer mais que a média nacional e tornar-se um dos melhores Estados do país, ou seja, o Estado que nós, autonomistas, sonhamos.

 

Por Mariana Anjos



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